Tribunais administrativos tributarios sao acusados de "so negacao"
O voto duplo de qualidade previsto em lei e no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) tem sido alvo de muitas críticas e questionamentos, eis que, em tese, viola regras de ordem democrática e republicana. Mas penso que, a despeito de tais defeitos jurídicos que devem ser corrigidos pela alteração da lei ou por interferência judicial, a aptidão de provocar dano ao interesse público decorre do uso que dele se faz.
O Carf é acusado de aparelhar as suas Câmaras Superiores de modo a organizar composição que, assegurada pelo voto duplo de qualidade dos presidentes cuidadosamente escolhidos pelas autoridades fiscais federais, cuidam de garantir desfechos favoráveis aos interesses fazendários, especialmente nas demandas mais polêmicas e de grande repercussão econômica.
Vale dizer, são acusados de negar os pleitos dos contribuintes em matérias de interesse arrecadatório, por vezes com assunção de posições jurídicas para lá de polêmicas.
Mas esta acusação é justa?
Dentre o que há de público e sério sobre a matéria, novamente relembro trabalho do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV) que apurou, em determinados períodos, decisões sedimentadas em Câmaras Superiores do Carf, com votos duplos de qualidade em percentuais entre 96% e 100% em favor dos interesses fazendários. Estes dados falam por si.
De outro lado, temos informações da Advocacia Geral da União (AGU) prestadas na ação direta de inconstitucionalidade nº 5.731, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil perante o Supremo Tribunal Federal, com o fim de obter o reconhecimento de inconstitucionalidade das leis que preveem este voto duplo de qualidade franqueado a conselheiros escolhidos pelo Fisco federal.
Diz a AGU, em determinado trecho, que “afirmação que dê conta de que o voto de qualidade seria absolutamente contrário ao contribuinte, favorecendo as posições da Fazenda Nacional, revela-se, ademais, absolutamente falaciosa e incoerente. Tanto quanto se apurou, não há estudo sistemático, publicado, sujeito a testes e discussões, sobre as decisões do Carf, em tema de voto de qualidade, o que indica que a tese da parcialidade é mero inconformismo com decisão administrativa.”
Afirma ainda a AGU que “segundo dados do próprio Carf, constantes de seu relatório de atividades do período de janeiro a agosto de 2016, a maioria das decisões proferidas por aquele órgão foram favoráveis ao contribuinte, e grande parte delas à unanimidade.”
E, por fim, complementa que “o voto de qualidade foi utilizado em apenas 417 dos 5.996 recursos apreciados no período, o que representa, tão somente, 7% dos julgamentos realizados pelo órgão. A grande maioria dos casos foi resolvida por unanimidade entre os conselheiros (4.027 recursos, 67,2% do total), enquanto 26,1% das decisões foram proferidas por maioria de votos (1.564 recursos).”
A discrepância de dados e informações chama a atenção, mas tem uma justificativa cuidadosamente não revelada pela AGU: o uso abusivo do voto duplo de qualidade dá-se nas Câmaras Superiores do Carf, onde chegam e naufragam os temas mais impactantes do ponto de vista arrecadatório federal.
E este dado apontado nos mencionados estudos do NEF/FGV não foi, infelizmente, mencionado pela OAB nas suas razões iniciais, tampouco levado ao conhecimento do STF pela AGU.
Quiçá, talvez, alguma alma iluminada faça chegar a informação completa ao STF, permitindo um justo julgamento à luz de fatos reais.
FONTE: Valor Econômico