Greve de caminhoneiros ameaça levar a desabastecimento
SÃO PAULO - O segundo dia da greve dos caminhoneiros autônomos começou a afetar efetivamente as atividades produtivas. É segundo dia de paralisação contra a política de reajustes do óleo diesel. Representantes da indústria e da agropecuária informaram que foram forçados a paralisar atividades por problemas logísticos nesta terça-feira.
A GM informou que a greve afetou o fluxo logístico de suas fábricas. “Com a falta de componentes, as linhas de produção começam a ser paralisadas e também estamos enfrentando dificuldades na distribuição de veículos à rede de concessionárias”, disse a companhia, em nota.
Por falta de entrega componentes para o funcionamento das linhas de produção, a Ford paralisou a produção de automóveis em Camaçari, na Bahia, e de motores em Taubaté, no interior de São Paulo.
A outra unidade da companhia americana, localizada em São Bernardo do Campo (SP), que produz carros e caminhões, operou normalmente hoje. Mas sem a retomada das entregas de componentes a tendência é que essa fábrica também tenha a produção interrompida.
A greve também começou a afetar a fábrica do grupo francês PSA, que produz veículos das marcas Peugeot e Citröen. A unidade está localizada em Porto Real (RJ). O fornecimento de peças para as linhas de produção começou a ficar comprometidos hoje. Em razão disso, a empresa deu início ao planejamento de compensações futuras das perdas provocadas pelo movimento grevista.
Volvo, Nissan e Fiat também confirmaram prejuízos à produção.
Na fábrica da Volvo, em Curitiba, a equipe do segundo turno, que começa às 17h, sequer entrou para o trabalho porque a falta de componentes inviabilizou o funcionamento das linhas de caminhões e ônibus.
A Nissan, que tem em Resende (RJ) uma das mais novas fábricas de automóveis do país, confirmou que a paralisação comprometeu o abastecimento de peças.
Com fábricas em Betim (MG) e Goiana (PE), o grupo FCA Fiat Chrysler também começou a sentir o comprometimento de seu fluxo logístico no fim da tarde. Segundo a área de comunicação da empresa, caminhões que carregavam componentes ficaram retidos na Rodovia Fernão Dias (BR-381), que liga São Paulo a Minas Gerais.
A Bosch, maior empresa de autopeças do país, começou a sentir problemas. A companhia revelou estar com dificuldades tanto no recebimento de mercadorias via porto de Santos quanto em rotas de transportes interestaduais para abastecer suas seis fábricas e também nas entregas aos clientes. A Bosch tem 8,3 mil funcionários no país e está em pleno processo de retomada de produção principalmente devido à recuperação da produção de veículos.
O Tecon Santos, principal terminal da Santos Brasil, não recebeu nem expediu caminhões hoje, devido ao bloqueio. Normalmente, o Tecon Santos, um dos maiores terminais de contêineres do país, recebe em média 2.200 caminhões por dia. Já a operação de cais — embarque e desembarque de cargas nos navios — transcorre sem problemas.
A Administração do Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) informou que dos 1,4 mil caminhões carregados de grãos que estavam programados para chegar aos portos paranaenses ontem apenas 333 conseguiram dar entrada. Os demais foram impedidos pelos protestos dos caminhoneiros.
De acordo com o Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), a greve estaria travando as entregas de algumas distribuidoras de aço. A entidade fez uma pesquisa informal e calculou que a ação dos motoristas de caminhão afetou o faturamento diário de suas associadas em 40% a 60%.
A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), que lidera a paralisação, informou que os protestos e bloqueios de rodovias atingiram 20 Estados nesta terça-feira.
O presidente do grupo americano Novelis na América do Sul, Tadeu Nardocci, afirmou que ainda não há impacto visível da greve na operação da fabricante de produtos de alumínio, mas ele acredita que a parada “certamente tem potencial de impactar” as atividades.
A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) declarou que a paralisação dos caminhoneiros é “preocupante” e está afetando o escoamento da safra de soja. Segundo a Aprosoja-MT, 30% da soja de Mato Grosso ainda precisa ser escoada. A entidade também manifestou preocupação com os impactos do aumento do diesel sobre o produtor rural.
A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) e o Sindicarne do Paraná afirmaram em comunicado que a paralisação prejudica o abastecimento de alimentos em vários pontos do país. “Todo o nosso setor de matérias-primas vivas (boi, suíno, aves), e leite e o abastecimento em geral está sendo muito afetado”, informou no comunicado o presidente executivo das entidades, Péricles Salazar.
O Sindicato da Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat) solicitou ao governo uma “rápida resposta” ao pleito dos caminhoneiros para por fim aos bloqueios de rodovias. “O ato está represando cargas de produtos perecíveis da cadeia produtiva nas vias gaúchas e já compromete a atividade fabril nesta terça-feira”, disse a entidade em nota. Conforme o Sindilat, laticínios gaúchos ficam impossibilitados de realizar a captação de 12,6 milhões de litros de leite cru em 65 mil propriedades rurais.
A concessionária Rota do Oeste, responsável pela BR-163, importante rota para escoamento de grãos, informou que três novos pontos de rodovias em Mato Grosso foram fechadas hoje por caminhoneiros em greve. No total, foram são seis pontos de protesto no trecho entre os municípios de Itiquira e Rondonópolis, que compreende parte da BR-163.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) alertou para o risco de desabastecimento caso as paralisações e bloqueios nas rodovias do país continuem.
Os preços de alguns produtos agrícolas já está recebendo o impacto da paralisação. Segundo o Cepea, o preço médio da batata padrão ágata especial, nesta terça-feira (22), é de R$ 170 a saca de 50 quilos em São Paulo, alta de 78,95%. No Rio de Janeiro os preços avançam 8%, a 125,00 a saca, enquanto em Belo Horizonte a alta observada foi de 2,5%, para R$ 102,50 a saca.
No caso do tomate, a greve levou a um aumento de 1,59% nos preços do salada longa vida 3A na Ceagesp hoje, cotados a R$ 53,33 a caixa de 20 quilos. No Rio de Janeiro, os preços avançam 9,09% nesta terça-feira, para R$ 60 a caixa.
A Cooperativa Central Aurora Alimentos comunicou que, em decorrência da greve, paralisará todas as atividades de suas indústrias de processamento de aves e suínos em Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul nesta quinta e sexta-feira, dias 24 e 25 de maio, inicialmente.
Segundo a empresa, a paralisação das atividades vai gerar um prejuízo de R$ 50 milhões para toda a cadeia produtiva ligada à Aurora.
No comunicado, a Aurora informou que, nos dois dias, sete indústrias de aves e oito indústrias de suínos terão as atividades paralisadas, cerca de 8 mil produtores rurais terão que adotar regime de restrição alimentar aos plantéis de aves, suínos e bovinos. E, por dia, 300 caminhões câmaras-frias, 200 caminhões com cargas vivas e 120 caminhões de ração deixarão de circular.
Em nota divulgada à tarde, o Sistema Firjan manifestou sua preocupação com a paralisação, diante do fato de o transporte rodoviário de cargas ser o mais importante na logística nacional. A entidade considera a situação mais grave para a indústria do Rio.
A Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) divulgou nota afirmando que a greve está afetando diretamente o abastecimento de óleo diesel das empresas de transporte público por ônibus em todo o Estado.
“O bloqueio montado em rodovias e terminais de distribuição de combustíveis impede a renovação dos estoques das empresas, que na maioria dos casos acontece diariamente”, diz a nota.
Segundo a Fetranspor, apesar dos esforços que estão sendo feitos para regularizar o abastecimento, há empresas que já estão com as operações limitadas, afetando os passageiros. “O racionamento de combustível é uma medida adotada em caráter emergencial até a normalização da distribuição de óleo diesel, que depende do fim das manifestações. Se isso não ocorrer brevemente, há o risco de paralisação de todas as empresas”, afirma a Federação.
A crescente oscilação do preço do óleo diesel é um fator que preocupa, também, o setor de transporte público. Nos últimos 15 meses, a elevação do preço do combustível chegou próximo a 20%, o que, segundo a Fetranspor, vem pressionando os custos operacionais do setor de ônibus.
FONTE: Valor