"Governo sera defensor da democracia"
Eleito com a bandeira do antipetismo, na oitava eleição presidencial desde o fim da ditadura, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PSL-RJ) venceu ontem a disputa no segundo turno ao obter 55,13% dos votos contra 44,87% do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT). O parlamentar amealhou 57.796.972 votos frente aos 47.038.792 do petista. Aos 63 anos, o capitão da reserva do Exército será o primeiro presidente da República com origem militar eleito desde Eurico Gaspar Dutra, em 1945, e o primeiro declaradamente de extrema direita desde a redemocratização. O resultado foi mais apertado do que o esperado pela campanha do PSL, que afirmou há 11 dias que já estava "com a faixa na mão". Bolsonaro teve 39,2% dos votos em relação ao eleitorado total brasileiro.
Depois de confirmada a vitória, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo pela internet. Ao lado da mulher Michelle, no discurso improvisado com duração de quatro minutos, afirmou que fará um governo "seguindo ensinamentos de Deus, ao lado da Constituição brasileira, inspirado em grandes líderes mundiais e com uma boa assessoria técnica". Criticou os adversários: "Não poderíamos mais continuar flertando com o socialismo, com o comunismo e com o populismo, e com o extremismo da esquerda".
Em seguida, em tom mais moderado, leu um discurso de dez minutos para TVs, em que citou Deus por seis vezes. "Faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus", disse Bolsonaro. Durante a campanha, o presidente eleito afirmou em comício na Paraíba que "não tem essa historinha de Estado laico. É Estado cristão". Foi nessa ocasião que defendeu que as minorias deveriam se curvar às maiorias. Ontem, terminado o discurso, chamou o senador Magno Malta (PR-ES) para fazer uma oração, pedindo que os aliados em sua casa, na Barra da Tijuca, no Rio, se dessem as mãos. De novo ao lado da mulher, de cabeça baixa e de olhos fechados, ouviu a prece e terminou dando uma curta entrevista. Questionado se faria esforço pela união dos brasileiros, divididos numa campanha polarizada, assentiu: "Vamos pacificar o Brasil".
Bolsonaro, inspirado pela Bíblia - livro de João, capítulo 8, versículo 32 - mencionou por cinco vezes a palavra "verdade". Por seis vezes, citou variações da palavra "democracia"; por três vezes de Constituição. Por 11 vezes falou em "liberdade". E nenhuma em igualdade. "Liberdade é um princípio fundamental. Liberdade de ir e vir, andar nas ruas, em todos os lugares desse país. Liberdade de empreender, liberdade política e religiosa, liberdade de informar e ter opinião, liberdade de fazer escolhas e de ser respeitado por elas", disse.
O presidente eleito recusou-se a dar uma entrevista coletiva depois da divulgação do resultado das urnas. Durante o segundo turno, não participou de debates e escolheu a dedo os jornalistas a quem concedeu entrevistas. Quase todos de emissoras de rádio e televisão. As propostas de governo passaram ao largo da campanha. O foco foram as críticas ao PT e a defesa de valores morais, como a ordem e a família.
Bolsonaro ainda não fechou a equipe de ministros, apesar de ter prometido anunciar os nomes durante a campanha eleitoral. Nos próximos dias, deve acabar de completar os indicados ao primeiro escalão. A previsão é de que sejam 15 ministros, dos quais três já foram divulgados: o economista Paulo Guedes para a Fazenda; o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) para a Casa Civil e o general Augusto Heleno (PRP) para a Defesa.
Apesar do forte discurso anticorrupção e pela moralidade de Bolsonaro, os três primeiros ministeriáveis têm sido investigados ou questionados por suas condutas. Guedes é alvo de investigação pelo Ministério Público Federal (MPF) por suposta fraude contra fundos de pensão. Onyx já admitiu, em processo da Lava-Jato, que recebeu R$ 100 mil da JBS, alegadamente como caixa dois de campanha. Na reserva desde 2011, Heleno recebia um salário de R$ 59 mil quando trabalhou para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), dos quais R$ 47 mil oriundos de recursos públicos, valor acima do teto constitucional cujo limite são os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Eleito pretende ir a Brasília para se encontrar com Temer e preparar o terreno para a transição de governo
É certa também a participação do presidente nacional do PSL, o advogado Gustavo Bebianno, braço-direito de Bolsonaro. Bebianno é cotado para assumir uma função de bastidores, mas com poder, como chefe de gabinete. Para o ministério da Ciência e da Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes está "praticamente certo", disse Bolsonaro depois da vitória.
O vice, general Hamilton Mourão (PRTB), em princípio, não deve assumir um ministério. Mourão foi escanteado durante a campanha, depois que o vice e seu partido buscaram ter protagonismo.
Bolsonaro pretende ir a Brasília para se encontrar com o presidente Michel Temer e preparar o terreno para a transição de governo, em que indicará uma equipe de até 50 pessoas. Ainda não está confirmado se a viagem, programada inicialmente para amanhã, ocorrerá nesta semana.
O coordenador da equipe de transição será Onyx Lorenzoni e o grupo deve despachar no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. O parlamentar começou a discutir a transição já na semana passada, na quinta-feira, em encontro com o atual Chefe da Casa Civil, ministro Carlos Marun, em Brasília. Onyx teve acesso a um raio-x da estrutura de ministérios, secretarias e estatais e disse que pretende ir hoje para Brasília e começar os despachos na quarta-feira.
Antes da posse, Bolsonaro será submetido a uma nova cirurgia, a terceira desde que levou uma facada no dia 6 de setembro, durante atividade de campanha, em Juiz de Fora (MG). Desta vez, deve retirar a bolsa de colostomia na segunda quinzena de dezembro, em São Paulo, no hospital Albert Einstein, onde ficou hospitalizado por pouco mais de duas semanas no primeiro turno. A previsão é que a cirurgia seja realizada no dia 19.
Entre as primeiras viagens internacionais planejadas, está uma visita ao Chile, que deve ser feita depois da posse. Ontem à noite, recebeu telefonema do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o parabenizando pela vitória.
Paulista nascido em Glicério, cidade com 4,8 mil habitantes do interior paulista, Bolsonaro é casado e tem cinco filhos: quatro homens e uma menina. Michelle, terceira mulher do futuro presidente, é discreta e pouco apareceu na campanha. Dos filhos, três são políticos, compuseram o núcleo duro da campanha e são os principais conselheiros do presidente eleito, ao lado do presidente nacional do PSL. O vereador Carlos (PSC-RJ), o eleito senador Flávio (PSL-RJ) e o deputado federal Eduardo (PSL-SP), reeleito com 1,8 milhão de votos, a maior votação da história da Câmara.
O partido de Bolsonaro elegeu 52 deputados, a segunda maior bancada da Câmara, atrás apenas do PT, com 57. Até o início da legislatura, no próximo ano, o PSL pretende atrair mais parlamentares e ficar com uma bancada de até 70, a maior da Casa. Durante o segundo turno, recebeu apoio de frentes parlamentares com peso no Legislativo - evangélica, da segurança e do agronegócio - e indicou que deve dar amplo apoio ao avanço de uma pauta conservadora no Congresso. Na transmissão ao vivo pela internet, fez um aceno ao Parlamento. "Temos condições de governabilidade dados os contatos que fizemos ao longo dos últimos anos com parlamentares. Todos os compromissos assumidos serão cumpridos com as mais variadas bancadas, e com o povo em cada local do Brasil em que estive presente."
Mesmo com um cenário favorável no Parlamento, o presidente eleito terá de negociar com o Centrão, grupo político composto por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade e que agrega cerca de 40% dos deputados federais. O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aproximou-se de Bolsonaro nos últimos dias para começar articular sua campanha à reeleição no comando da Casa, no início de 2019, e recebeu sinais de que terá respaldo para manter-se no cargo.
Dos 45 dias de campanha no 1º turno, o candidato ficou 23 dias internado e passou por duas cirurgias
Em seu sétimo mandato como deputado federal, Bolsonaro, cujo primeiro cargo eletivo foi de vereador, representa a ascensão do baixo clero da Câmara. Conhecido mais pelas polêmicas do que pela atuação no Parlamento, o deputado conseguiu aprovar apenas dois projetos ao longo dos 28 anos de mandato. Foi alvo constante de reclamações no Conselho de Ética, com pedidos de perda de mandato. Entre as denúncias contra ele estão a defesa do fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; a declaração de que a ex-presidente Dilma Rousseff é especialista em assalto e furto, e apologia à tortura, com a exaltação do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador no período da ditadura. Ustra, por sinal, é sempre citado por Bolsonaro como seu grande ídolo.
Por três vezes, o parlamentar disputou a presidência da Câmara e teve um resultado pífio: em 2005 foram dois votos; 2011, nove votos e em 2017, 4. Nas quase três décadas de Parlamento, passou por oito siglas diferentes, PDC, PPR, PPB, PTB, PFL/DEM, PP, PSC e PSL.
Bolsonaro começou a preparar sua campanha presidencial dentro do Parlamento, com apoio de Onyx Lorenzoni. As primeiras articulações se deram no impeachment de Dilma Rousseff. No embalo do antipetismo, o deputado participou de manifestações contra o PT e contra a corrupção e procurou vincular-se a símbolos nacionais e a uma pauta moral, conservadora. "Deus acima de tudo, Brasil acima de todos" foi o lema de sua campanha e de seu partido.
Com intensa participação em redes sociais, Bolsonaro usou suas declarações polêmicas contra o PT e também contra negros, mulheres e homossexuais para ganhar espaço no Twitter e Facebook e repercussão em veículos de comunicação. Em palestras e declarações públicas, disse que um quilombola não prestava nem para reproduzir e o tratou como um animal, ao citar seu peso em arroba. Afirmou que homossexuais desvalorizam os imóveis onde moram; respondeu que seria incapaz de amar um filho homossexual e que, se tivesse um filho gay, "daria um couro" para "corrigir". Na semana passada, declarou que a melhor forma de combater o racismo é não falar sobre esse tipo de crime. Afirmou ser contra cotas raciais e disse que quer acabar com o "coitadismo" de negros, homossexuais, mulheres e nordestinos.
O candidato foi tratado ao longo de meses como exótico e sua campanha, como chacota, que logo alcançaria um teto e desidrataria. Não foi o que aconteceu. Desde o início do ano, Bolsonaro manteve-se nas pesquisas de intenção de voto na casa dos 20%. Há três anos o candidato roda o país e visitou 24 das 27 unidades da Federação. Em cada chegada, era esperado por uma multidão nos aeroportos, convocada pela internet, e tratado como mito. Nas redes sociais acumula mais de 10 milhões de seguidores, com postagem alimentadas pelo candidato e pelos filhos Carlos e Flávio.
A agenda intensa de viagens foi interrompida depois que o candidato levou uma facada, em uma atividade de campanha em Juiz de Fora, quando estava em cima dos ombros de um apoiador, em 6 de setembro. Na época, o filho do candidato Flávio jogou uma frase de efeito: "Vocês acabaram de eleger o presidente, vai ser Bolsonaro."
Dos 45 dias de campanha no primeiro turno, o candidato ficou 23 dias internado, foi submetido a duas cirurgias e passou mais seis dias em casa, comunicando-se com os eleitores por transmissões pela internet. Na propaganda eleitoral, tinha apenas oito segundos.
Depois de receber 46% dos votos válidos no primeiro turno, manteve a estratégia de jogar parado e manteve-se recluso em sua casa na Barra da Tijuca, de onde saiu para trajetos curtos, de até 30 quilômetros. Foram três agendas em locais fechados e outras saídas apenas para gravar o programa eleitoral e entrevistas na casa do empresário Paulo Marinho, suplente de senador na chapa de Flávio Bolsonaro.
As declarações polêmicas, no entanto, não pararam de circular. No primeiro turno, críticas do vice Mourão a direitos trabalhistas como o 13 salário e às famílias com apenas mãe e avó que se tornaram "fábricas de desajustados" fizeram com que Bolsonaro enquadrasse seus apoiadores e os proibisse de falar. O economista Paulo Guedes também foi isolado depois de ter defendido a criação de um imposto nos moldes da CPMF.
FONTE Valor Economico